Ao som de Ultraje a Rigor muitos (inclusive eu) cantaram...“Eu
me amo, eu me amo ...não posso mais viver sem mim”. Engraçado pensar em um
refrão assim. De um modo geral todo ser humano se ama. A própria palavra de
Deus diz que o segundo mandamento mais importante é amar ao próximo como “a si
mesmo”. Mas o que mais chama atenção é o “não posso mais viver sem mim”. Apesar
da dose de humor na frase, ela nos remete ao paradoxo que todo cristão tem de
encarar diariamente: deixar para traz o próprio viver para que o viver de Deus
habite em seu coração.
Paulo dizia que o próprio “eu” dele já não vivia mais nele,
mas Cristo vivia nele. Mas como assim? Se é algo lógico pensar que não podemos “viver
sem o nosso eu” como é possível um homem afirmar que o “eu” dele havia dado
lugar a um outro ser. O fato é que esta
é exatamente a essência da nova vida que Jesus sempre nos disse. Quando Jesus
anunciou o reino do Pai, para glorifica-lo, Ele dizia exatamente isso, um reino
de seres humanos capazes de lidar consigo mesmo, com seus próprios apetites,
suas próprias vontades, de modo a crucificar o próprio eu...para que um novo
homem viesse à tona. Um convite a deixar para trás o “velho Adão” para que um “novo
homem”, cujo Jesus Cristo é o modelo, viesse à tona.
Já parou para pensar nisso: uma sociedade formada por
pessoas iguais a Jesus Cristo? Uma sociedade onde os valores de vida são
aqueles que Jesus expressou em seu viver? Ora não é exatamente isso que Deus
deseja? Não é isso que Deus chama de Reino? Não é isso que Deus nos expõe como
uma consequência para a Salvação? Um lugar onde “não haverá mais dor e nenhum
choro se ouvira? Não é esta a igreja verdadeira de Jesus? Um lugar onde o Espírito
Santo está trabalhando para que todos sejam cada vez mais parecidos com Jesus?
Uma sociedade assim inicia-se em nós mesmos. O primeiro
passo parte de Deus. Ele já fez isso a muito tempo, antes da criação do mundo.
Antes de Deus dizer “haja luz”, Ele disse “haja cruz”. No Calvário Deus
expressou em nossa história algo que aconteceu na eternidade. Ao fazer isso,
Jesus, além de nos prover salvação, nos mostrou que quando crucificamos o nosso
próprio “eu” abrimos espaço para o “outro”. Isso é necessário, pois o ser
humano foi criado para ser um “ser relacional”. E aqui é importante ressaltar
que Deus, o nosso Criador, sempre nos ensinou que a base dos nossos
relacionamentos é o amor. Quando os relacionamentos se baseiam no amor
verdadeiro, tudo e todos ao nosso redor se transforma. Mas como sabermos que
amor é o verdadeiro? O próprio Deus nos ajuda neste sentido. Ele mesmo nos
ensina que o primeiro e maior mandamento é amar a Deus sobre tudo e todos, com
toda a nossa emoção, paixão, intelecto e possibilidades. Só amando a Deus,
desta maneira, saberemos “Quem” (e não o que) é o amor. Deus é Amor. Só
cumprindo este mandamento estaremos aptos a cumprir os demais mandamentos que
se resumem no segundo mais importante: Amar ao próximo como Jesus nos amou (e não
como a si mesmo). Jesus resignificou o mandamento “amar ao próximo como a si
mesmo” nos ensinando a “amar ao próximo como Ele nos amou” e isto faz uma
diferença significativa. Isso por que o amor que temos por nós mesmos nem
sempre é puro. Muitas vezes o amor que temos por nós mesmos é deturpado e
corrupto, o que geralmente acaba resultando em pecado. Por exemplo: eu me amo
tanto, que quero me dar prazer, e me masturbo para isso aconteça. Pode ser um exemplo um tanto quanto ridículo,
mas se você pensar bem vai entender que o amor que temos por nós mesmos é um
tanto quanto delicado pois é um amor que tem de lidar com o nosso próprio ego,
que é corrupto. Por outro lado o amor demonstrado por Cristo é um amor santo,
com qualidade de Deus.
A pergunta é: será que somos capazes de amar com uma
qualidade de amor “Ágape”, com uma qualidade de amor igual a de Jesus, o
Cristo, sendo corruptos pelo pecado que habita em nós?
É claro que não temos essa capacidade plena ainda. Mas é
justamente nesta consciência que damos vazão ao Espírito Santo, para que Ele
venha agir em nosso ser de modo que sejamos capazes, ainda não em plenitude,
mas com o melhor de nosso ser, de amarmos, primeiramente Deus e depois ao
próximo, como Jesus nos ensinou a amar. É assim, de glória em glória, que somos
transformados. É assim, de glória em glória que aprendemos a lidar com a batalha
entre o “não posso mais viver sem mim” e o “viver de Jesus em nós”. O amor de
Jesus em nós produz vida com qualidade de Deus e neste processo somos
transformados para um dia alcançarmos não só a salvação e a vida eterna, mas um
lugar na igreja que é a habitação do Deus vivo. Este é um processo que, por
graça, o próprio Pai executa em nós através do seu Espírito Santo. Para isso o “eu
me amo” deve ser colocado no seu devido lugar: na cruz do calvário. Se você se
ama de verdade, crucifique o seu “eu”, pois só assim o seu “eu” obterá o
melhor: Jesus!