Deus nos criou seres com corpo e espírito. Nos fez do pó
(corpo) e soprou em nossas narinas o sopro de vida (espírito). Nisto consiste o
ser humano, seres que são a junção de corpo e espírito. Esta junção também é
chamada de alma. O ser humano possui uma alma = corpo + espírito.
Ora, se somos seres dotados de corpo e espírito,
naturalmente temos necessidades carnais e espirituais. Aqui mora o dilema do
ser humano. Como lidar com estas necessidades, como lidar com estes apetites.
O problema é que estas necessidades, ou se preferir,
apetites, ganham maior complexidade devido à carne estar imersa no espírito e o
espírito estar imerso na carne. Em outras palavras, ao lidar com a alma, os
apetites são mais complexos.
Se fosse simplesmente apetites da carne, desejaríamos pão.
Mas quando a alma entra em cena, e o espírito toca o nosso apetite, o desejo
passa a ser muito mais que simplesmente um pão...passa a ser um “pão na chapa
com saída de requeijão do jeitinho que eu amo”.
É como canta os Titãs, “a gente não quer só comida, a gente
quer comida, diversão e arte”. Ou como os historiadores diziam que todo povo
deseja pão e circo...ou sendo mais atual...comida e campeonatos de futebol.
Os desejos da alma buscam a satisfação do ego. Eles estão
presentes, não adiante negar. Mas como lidar com isso, afinal somos humanos,
temos corpo e espírito, temos alma?
Desejar ser um “ser somente espiritual” ou desejar ser um
“ser somente carnal” nos tira a essência de nossa criação. Fomos criados humanos.
O demônio sabe disso muito bem, por isso, quando ele induziu Adão e Eva a
comerem da árvore do bem e do mal e quando ele tentou Jesus no Deserto, usou
artifícios que caminhavam sobre nosso corpo, espírito e em ambos, ou seja, na
alma.
Para o corpo/carne, o discurso do “fruto atraente” ou do
“transforma pedra em pão” estava presente. Para o espírito estava presente o
discurso “certamente não morrerão” e o “atire-se do pináculo e os anjos virão
te salvar”. Para a alma estava presente “conhecerás o bem e o mal” e “tudo isso
será teu se diante de mim se prostrar”.
O Pastor Ed René Kivitz nos traz um pensamento libertador, ao
olhar para a resposta de Jesus na primeira tentação do deserto:
“Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai
da boca de Deus”.
É engraçado como damos ênfase na parte final da frase de
Jesus, o “mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” e nos esquecemos do “Nem
só de Pão viverá o homem”. Isso por que o “Nem só de pão viverá o homem” traz a
conotação, importantíssima e muitas vezes esquecida por nós, de que “também de
pão” viverá o homem. É legítimo termos fome, pois somos carne também. Neste
sentido (não dentro do contexto do jejum e da tentação do deserto, mas da
humanidade como um todo) é correto admitirmos:
“Nem só da palavra que sai da boca de Deus viverá o homem,
mas também de pão!”. Heresia? Creio que não, pois o homem também é carne, foi
criado por Deus assim. É natural que o corpo peça cama para descanso, pão para
se alimentar, sexo para satisfação, afinal Deus nos criou assim.
O problema é quando o apetite desenfreado assume o controle
e dita em sua vida a filosofia de que você deve viver em abundante prazer,
afundado nestas necessidades, como um animal, uma besta, que não tem
consciência do que está fazendo.
Deus nos deu o corpo, espírito, criou a fome, a necessidade
do homem! É legítimo dar atenção as
necessidades do corpo e não negar os apetites. O que é ilegítimo é se entregar
desenfreadamente a estes apetites, deixando que ele prevaleça sobre a alma.
Isso é de fato um caminho de morte. Entretanto, é extremamente importante
sabermos que negar estas necessidades e apetites também são caminhos de morte.
Sabemos que estes apetites nos trazem na bagagem o prazer. É importante termos
a consciência de que prazer não é pecado. Mas é essencial sabermos o
equilíbrio, a moderação, impor o limite a carne. Por isso o jejum é uma grande
arma para o cristão. Ele educa a alma. Aproxima a nossa consciência de que há
limites e entregar-se desenfreadamente aos nossos apetites é parecer um bicho, é
permitir-se passar por um processo de "bestificação".
Quanto ao lado espiritual, é engraçado como vemos gente
querendo ser 100% espirituais. Parece que isso é sinônimo de coisa boa. Mas não
é, aliás isso é um perigo, pois tem tudo a ver com o pecado de Lúcifer. O
pecado do diabo é um pecado espiritual, pois ele não tem corpo. O apetite dele
é ser igual a Deus, deixar de ser mortal. Este é o pecado dele. Negar a
dimensão de carne e querer ser só espírito, é negar a nossa humanidade, é querer ser Deus.
Por exemplo, negar tomar um comprimido, por que a cura da carne será
espiritual, pode ter muito menos a ver com “fé” e muito a ver com o fato de se
achar único, sublime, imortal, um deus!
Ser somente espiritual é errado. Somos humanos! Fomos
criados assim. Temos de ter limites, um equilíbrio saudável ao prazer, pois somos
carne e espirito. Todo prazer tem potencialidade de bestializar, por isso
devemos, muito mais que negar os apetites, é vigiá-los.
Quando a mescla “espírito e corpo” se perdem um no outro e a
alma entra em cena, os desejos são ainda mais indomáveis: queremos um carro,
mas não basta um carro...tem que ser um carro de marca, com rodas, com ar
condicionado individualmente, e por ai vai...O centro da questão “ter um carro”
não é mais proveniente do fator “necessidade”, já não é só transporte...passou
a ser desejo, status, conforto...afinal junto com a alma o ego entra em cena.
Alguém já disse que nenhum homem é tão grande quanto o aquele
que está de joelhos. Pois é ali, de joelhos, reconhecendo que somos pequeninos
e frágeis, que nos tornamos fortes. É ali, na nossa fraqueza que Deus
aperfeiçoa ainda mais o seu poder, amor e graça. Parece um paradoxo, pois como
aperfeiçoar aquilo que já é perfeito!? Mas é a verdade em mistério.
Somos humanos. Na condição que estamos, quanto mais longe da
terra, tanto mais longe estaremos de Deus. Pois quanto menos humanos desejarmos
ser, mais em pecados estaremos.
Quando satanás se apresentar a você, seja em forma de seu próprio
ego ou na como for, quando ele te levar no alto do monte, e dizer: “ - Te dou
tudo isso, se prostrado me adorar!”. Temos que conseguir responder: “Eu quero,
mas não tomarei posse disso desta forma. Não estou a venda! Eu quero, mas a
minha consciência diante de Deus não tem preço. Ela vale muito mais que os meus
desejos e apetites, ainda que eles sejam legítimos.”
Quando satanás te levar ao topo do pináculo e disser: “Jogue-se
e Ele virá te salvar!”, temos que estar pronto para dizer: “Não! Estou fora, não
rivalizo com Deus, não tento a Deus, não coloco meu Senhor em uma ‘sinuca de
bico’”, e então dar meia volta e ir embora.
Todos os nossos apetites e necessidades devem estar confiados
na soberania de Deus. O parâmetro para a moderação de nossos apetites é a sua
lei. Todo apetite desordenado é pecado. É apetite de destruição. Me lembro de “Appetite
for Destruction”, um álbum de grande sucesso lançado em 1987 pela banda
norte-americana Guns N’Roses (ouvi muito na minha adolescência). Como toda banda de rock, o álbum trazia canções
que exaltavam o sexo, drogas e rock and roll (simbolizando, de certa forma, o
poder). Músicas como Paradise City (cidade paraíso) exaltam um lugar onde os
apetites desordenados são atendidos sem mensurar consequências. Ter vontades,
apetites, necessidades é natural para o ser humano, mas os mesmos devem seguir
os ensinamentos de Deus para que sejam atendidos de forma que não ocorra a
usurpação da nossa humanidade. Fora de Deus os nossos apetites são destrutivos,
destrói os outros e a nós mesmos. Destrói sem medir consequência. Destrói nos
levando para um caminho de morte, um caminho de “bestificação”.
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