Uma lenda árabe conta que dois amigos viajavam pelo deserto
certo dia discutiram. Um deles esbofeteou outro, que ofendido e sem nada dizer
escreveu na areia "Hoje, meu melhor amigo me bateu no rosto". Mais
tarde fizeram as pazes e seguiram viagem. Ao chegar a um oásis resolveram tomar
banho. O que havia sido esbofeteado começou a afogar-se, mas o amigo salvou-o.
Quando recuperou escreveu numa pedra "Hoje meu melhor amigo salvou-me a
vida". Intrigado, o amigo perguntou:
- Por que depois que te bati, você escreveu na areia e agora
escreveu na pedra?
Sorrindo, o outro amigo respondeu:
- Quando um grande amigo nos ofende, devemos escrever na
areia, onde o vento do esquecimento e do perdão se encarregam de apagar. Porém
quando nos faz algo grandioso, devemos gravar na pedra da memória do coração,
onde vento nenhum do mundo poderá apagar!
Perdoar é difícil,
porém necessário! ...essa frase soa como um chavão...mas é uma das verdades mais
desafiadoras na qual o ser humano tem de aprender a viver. A lenda árabe
que acabamos de acompanhar é muito bonita. Entretanto há um detalhe nela que
passa desapercebido: o fato de se interligar o perdão ao esquecimento. Não
creio que perdoar seja necessariamente esquecer a ofensa. Tudo bem, o contexto
da lenda pode trazer a conotação “vento do esquecimento” do tipo, eu sei o que
você fez para mim, mas vou fazer vistas grossas. Não, não creio que perdão seja fazer “vistas
grossas” à ofensa. Perdoar é mais profundo do que isso. Talvez, raros são os
humanos que realmente tenham experimentado plenamente o ato de perdoar. Perdoar
é lembrar sem rancor, lembrar sem dor para com o outro...é assumir o dano para si. Isso vai além
das vistas grossas. Isso implica na responsabilidade de olhar para o dano e
para o causador do dano e assumir para si o ato de lidar com a dor, sem
computar no outro a culpa. É assim que acredito ser o perdão. É isso que vejo
na cruz do calvário. Um Deus que tinha em Suas mãos a prerrogativa de nos
aniquilar, mas não computou culpa em nós e assumiu para si o dano, consumando
este ato se sacrificando e morrendo em nosso lugar.
Não, não creio que Deus tenha feito vistas grossas para a
cusparada que nós demos na cara Dele. Não creio que Ele tenha esquecido, que
Ele tenha simplesmente passado uma borracha nas coisas e varrido tudo para
debaixo do tapete de Seu Trono. Certa vez ouvi (confesso que não me lembro de
quem) que no céu todos nós teríamos os nossos corpos em perfeição e que apenas
o corpo de Jesus permaneceria com as Suas chagas, para que todos os homens
vissem Nele as evidências de um Deus que nos amou incondicionalmente à ponto de
entregar Sua própria vida para assumir o dano (pecado) que nós causamos.
Sinceramente não sei afirmar se será exatamente assim. Caso seja assim...para
uns isso pode soar como um ato de Deus jogando na nossa cara o fato de que Ele
nos salvou. Para outros (e me incluo nestes) soa muito mais como uma evidência
de que Ele nos ama incondicionalmente, e que este amor é imensurável, pois
custou a vida do próprio Deus (em outras palavras...seria a evidência explícita
de que um homem vale a vida de Deus).
Deus não esqueceu o nosso pecado. Mas concedeu perdão. Ele
não é um Deus sem critérios de Justiça. É um Deus justo e há de julgar a todos.
Como é bom saber que o Deus revelado na face de Jesus é um Deus de Amor e não
um carrasco com um machado na mão. Ele é bom, justo, verdadeiro e fiel.
Sei que pode parecer uma hipocrisia minha dizer isso, mas
dou glórias à Deus por Ele não se esquecer dos meus pecados. Não há virtude
nisso e jamais isso será uma justificativa para pecar. Talvez você poderia
dizer “Santa heresia Batman!”...mas tenho dentro de mim a sensação de que Deus
não é um Senhor de Méritos e Deméritos...não é um Pai que computa créditos e
nem débitos...mas sim um Deus que olha a nossa natureza e vê o quanto carecemos
de amor. Quando Deus olha para o pecado da gente e vê em paralelo o quanto
buscamos ser parecidos com Cristo, Ele permite que a gente possa experimentar
mais profundamente a Cruz do Calvário. A virtude nisso é ter a profunda
experiência do perdão tendo consciência de que Deus não esqueceu o pecado, mas
que Ele não lembra do nosso pecado com ódio, dor e rancor, pois o perdão divino
já está em percurso, agindo em nosso ser. Isso pode ser traduzido como o ato de
Deus transformar o que não vale à pena ser amado em o que vale à pena ser
amado. É como Martinho Lutero certa vez disse: “Somos amados não por que somos
perfeitos, mas por que o amor de Deus é perfeito. O amor de Deus se destina ao
que não vale a pena ser amado, mas cria o que vale a pena ser amado”.
Ser perdoado é “aparentemente” mais fácil do que perdoar.
Vestir a pele daquele que recebe o perdão aparenta ser muito mais fácil do que
aquele que tem em si a prerrogativa de conceber o perdão. Mas ambos papéis tem
suas dificuldades. Não consigo ver uma pessoa ter plena experiência de receber um perdão sem
passar pelo processo de humilhar o próprio ego (em outras palavras...sem
reconhecer que precisa ser perdoado). Da mesma forma, não consigo ver a pessoa
que concebe o perdão tomar a atitude de perdoar sem estar disposta a se
humilhar. Ora, Cristo não foi humilhado pelos homens antes de ser pregado na
cruz?
Você pode me dizer..."isso é lindo no papel...mas na prática...todos sabemos que não é assim". Concordo...mas temos que tentar. Termino com um vídeo que vi recentemente e me senti muito
tocado...espero que o mesmo lhe aproxime mais ao caráter de Cristo...
Há quem diga que guardar ódio,
rancor, e não liberar perdão...é o mesmo que tomar um copo de veneno esperando
que o outro morra.
Sei que o vídeo expressa um curto
espaço de tempo de uma situação que será levada por toda uma vida...mas imagino
a atitude desta mulher como uma expressão dos dois mandamentos que resumem a
lei de Deus: Amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como o Próprio
Deus nos amou, ou seja...incondicionalmente. Só podemos amar verdadeiramente o
próximo se primeiramente amarmos à Deus...pois é amando à Deus que aprendemos o
que é verdadeiramente amar.
Que o Senhor abençoe a todos nós.
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