A parábola abaixo não consta nas Escrituras Sagradas. Entretanto ela é uma famosa parábola do povo judeu. Tomei a liberdade para reeditá-la incrementando algo essencial para o pensamento que gostaria de diluir. Vamos à parábola...
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O Rabino e a Galinha
Uma mulher, que pertencia a uma comunidade judia, sofria, juntamente com seus filhos, um período de extrema miséria. A fome era intensa. Semanas e semanas sem poder comer e dar alimento aos seus filhos. Vendo a situação desta família, um homem muito piedoso lhe deu uma galinha. Era um dia de sábado! Ela então colocou a galinha debaixo do braço e, juntamente com seus filhos, foi até a casa do rabino, líder da comunidade, para saber se a galinha poderia ser sacrificada de acordo com o ritual religioso para que a mesma fosse transformada em alimento para ela e seus filhos.
O rabino e sua esposa ouviram o questionamento da mulher. Então eles pediram que a mulher e os seus filhos ficassem aguardando enquanto eles pegariam a galinha e se recolheriam em oração. E assim o fizeram. O rabino se recolheu e começou a meditar. Olhava para os livros e então olhava para a galinha. E assim seguiu meditando, consultando os livros e examinando a galinha. Depois de meditar por um razoável tempo, ele entrega a ave para sua esposa e diz: "Devolva a galinha para aquela mulher e diga que a galinha não pode ser usada como alimento. Hoje é sábado e a lei de Deus não permite que a ave seja sacrificada!". A esposa então diz ao seu marido: “Tem certeza, eles estão tão famintos?”. O rabino diz: “Que isso mulher? Eu sei o que estou fazendo!”. A esposa tenta argumentar mais uma vez mas o marido lhe diz: “Chega! Não quero ouvir mais nenhum pio. Faça o que lhe disse.”
A esposa então toma a galinha em mãos, vai até a mulher e lhe entrega a ave dizendo: "Sacrifique a ave e use-a como alimento para você e seus filhos!".
A mulher então pega a ave e sai correndo para matar sua fome e a de seus filhos. Neste mesmo instante, o rabino, tendo ouvido o que sua esposa tinha dito, sai de casa ao encontro de sua mulher e muito nervoso repreende a mesma: "Por que me desobedecestes mulher? Eu não disse para você falar para ela que a galinha não podia ser morta hoje, pois é sábado?". A esposa então, com um tom doce e afável responde: "Você olhou para os livros e para a galinha...então chegou a uma conclusão. Eu olhei para uma família faminta e para a galinha, então tirei também uma conclusão."
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Creio que ao ler as Escrituras Sagradas você já tenha se deparado com a palavra “ímpio”. Geralmente a gente traduz a mesma como “pecador”. De certa forma faz sentido. Entretanto, a tradução mais exata da palavra “ímpio” é impiedoso.
Entenda. Vejo que “pecadores” todos nós somos. Entretanto, vejo “impiedade” como uma atitude pecaminosa mais exata. Deixa eu ver se consigo exemplificar (creio que não vou conseguir ser exato, mas vou tentar): “uma pessoa pode estar na condição de pecadora, proveniente da natureza humana, mas ser piedosa”. É um pensamento nebuloso, e até pode parecer medíocre, reconheço, mas creio que há uma sutil diferença entre ser um pecador e ser impiedoso. Enfim, é claro que é explícito o fato de que uma coisa esta ligada a outra.
Sendo explícito no pensamento, o fato é que o cristão luta constantemente para romper com a condição de pecador...da mesma forma que deseja romper com a condição de ímpio.
Bom, mas o que tem a ver tudo isso com o Rabino e a Galinha?
Eu alterei esta parábola para incluir no diálogo entre o Rabino e sua esposa uma frase chave: “...Não quero ouvir nenhum pio...”.
Por que considero esta frase como uma “chave” de entendimento!? Vamos lá.
O contrário da palavra “ímpio” é “pio”. Se por um lado “ímpio” nos remete a “impiedoso”, “pio” nos remete à “piedoso”. Efetuei uma construção desta frase no contexto da parábola para escancarar algo que acontece muito com pastores hoje em dia. Pastores que olham para a lei sem piedade. Assim como o rabino da parábola, se acham donos da verdades. Acham que existe uma verdade absoluta e que ela está explícita em uma leitura literal da lei (a Torá) nas Escrituras Sagradas. Ao agir desta forma, os olhos dos pastores miram muito mais a galinha do que as pessoas. É a leitura da lei incorporando o espírito “ímpio” de interpretação, onde as pessoas ficam em segundo plano, pois perdem o foco devido à verdade absoluta que é criada pela lógica da falta de piedade.
O Cristianismo nos convida a incorporar o espírito Pio ensinado por Cristo para interpretar a Palavra e aplica-la em nosso viver. Esta interpretação nos remete ao Reino de Deus. Uma expansão da consciência para atitudes movidas em piedade, onde pessoas valem mais do que qualquer dogma, ritual ou lei.
Quem nos ensina esses valores é o próprio Pai da Misericordioso que aguarda o filho pródigo voltar para casa. Pai que abraça o filho com piedade.
Quem nos ensina esses valores é o próprio Pastor que deixa as 99 ovelhas no deserto para ir buscar a ovelha que se perdeu. Ele vasculha o deserto inteiro em busca desta ovelha por que o Espírito que lhe move é Pio.
Quando nos permitimos cegar pela religião ou por uma verdade absoluta, na qual geralmente somos idólatras, somos alavancados a impor nossa própria surdez: “Não querer ouvir nenhum pio”. Será que estamos dispostos a ouvir pessoas piedosas que se importam em levantar uma bandeirinha vermelha para nos sinalizar que estamos sendo impiedosos?
Achamos que ímpio é quem está fora da igreja. Achamos que estamos livres de assumir o papel de ímpio simplesmente pelo fato de domingo a domingo estarmos no culto. Será?
Precisamos ouvir mais Pios! Deixar de olhar para a lei e para a galinha, e olhar para as pessoas que precisam de piedade e para a galinha.
Que o Senhor conduza as intenções de nossas atitudes ao calvário, de forma que todo ato que nosso ser pratique seja motivado por pensamentos piedosos.
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