Certa vez um cirurgião cardiologista teve de levar a sua moto a um amigo mecânico, velho conhecido. A moto simplesmente não funcionava. O mecânico então identificou um problema no cabeçote do motor. Ao desmontar a peça, o mesmo notou que o cirurgião cardiologista estava ao seu lado observando o seu trabalho. Então o velho amigo mecânico, olhando para o dono da moto e ainda manuseando suas ferramentas, diz: “ - Doutor, posso lhe fazer uma pergunta?'. O cirurgião, achando que era uma pergunta sobre o que poderia ter causado o defeito da moto, sinaliza um “sim” através de um leve balançar de cabeça. O mecânico se levanta, aponta para o motor da moto e faz a seguinte pergunta: “ - Doutor, olhe este motor. Eu abro seu coração, tiro válvulas, conserto-as, ponho-as de volta e fecho novamente, e, quando eu termino, ele volta a trabalhar como se fosse novo. Como é então, que eu ganho tão pouco e o senhor ganha muito, quando nosso trabalho é praticamente o mesmo?”. Um tanto quanto surpreso com a pergunta, o cirurgião dá um sorriso, se inclina, aponta para o motor e responde ao mecânico: “ - Você já tentou fazer tudo isso da maneira como eu faço, com o motor funcionando?”
Você já parou para pensar como nós, arrogantemente, achamos que temos respostas para tudo e de repente a vida vem e muda todos os questionamentos? Achamos que possuímos uma verdade absoluta. Achamos que a nossa verdade é absoluta. Que podemos coloca-la dentro de um vidrinho de maionese, tampa-la, carrega-la conosco e usa-la, quando necessário, com a certeza de que ela jamais poderá ser contestada.
Fico pensando, por que será que temos tanto medo em dizer um simples “não sei”? Por que é tão complicado assumir que não dominamos um determinado assunto ou por que a nossa verdade não pode ser relativizada?
Trazendo este contexto para as lentes do Cristianismo, nos deparamos com diversos pastores colocando um absoluto inquestionável sobre as Escrituras Sagradas. Esquecem que são pó, e que a verdade absoluta só pertence á Deus. Fazem questionamentos como o do mecânico, com uma resposta pré fabricada, para induzir o entendimento de um determinado pensamento para uma verdade absoluta na qual se acham mantenedores, mas na verdade, não passam de seres limitados tentando discernir o infinito. Quando não encontram respostas dizem: “ – Isto é um mistério”. Impõem um ponto final nas dúvidas das pessoas pois é muito mais fácil usar o sobrenatural para mascarar um “não sei” do que simplesmente dizer...”não sei”.
Como se não bastassem os líderes, nós cristãos vamos nos contaminando com esta lógica e acabamos assim, como o mecânico, com um pensamento “mecanizado” por uma imaginária “verdade absoluta”, que acha que tem na ponta da língua a justificativa para evidenciar a sua situação injusta perante a situação do outro.
Não é por menos que isso seja natural, pois vivemos constantemente achando que o maior parâmetro para definir a nossa situação de vida é exatamente a vida do outro. Em outras palavras, se minha grama não é o verde que desejo, é por que a grama do meu vizinho, aos meus olhos, sempre será mais próximo do tom de verde que eu desejo. A vida do outro sempre será melhor que a minha. Neste sentido, vale a pena se perguntar: será que usamos os parâmetros certos para enxergar a nossa situação de vida? Responda para si!
A verdade absoluta pertence à Deus. Nós homens temos porções destas verdades. Porções reveladas por Deus. Revelações permitidas por misericórdia divina. Verdades reveladas com um único propósito: restaurar a humanidade para a Glória do Criador.
Vejo Deus como o cardiologista da história, mudando nossos questionamentos, nos fazendo enxergar outros pontos de vistas, forçando outras linhas de raciocínios, impondo perguntas que nos façam mudar o modo de pensar, para que as nossas verdades sejam relativizadas através da Verdade Absoluta que só Ele tem. Vejo o Cardiologista mudando a “mecânica” de pensar que nós, os mecânicos, acomodamos em nossa mente. Vejo o Cardiologista inserindo novas engrenagens para a construção de raciocínios. Colocando óleo nas engrenagens para que as mesmas girem em pró de relativizar a nossa verdade mediante a Verdade de Deus.
Percebo que o mito da “dúvida” assusta os fiéis. Quem não tem em mãos uma verdade absoluta, acaba tendo, por consequência, um monte de dúvidas nas mãos. Isso assusta os cristãos. Esquecem que o mais importante é viver uma vida com os valores da Verdade que já chegaram ao seu conhecimento e não uma vida alicerçada em cima de Verdades que lhe estão ocultas. E este é o combustível que nos faz buscar mais e mais conhecimentos à respeito de Deus: a dúvida!
O ponto chave não é se devemos ou não questionar coisas para Deus e sim que tipo de perguntas devemos fazer à Deus. E é claro, ter a consciência de que nem todas as questões serão respondidas.
Este é um exercício de reconstrução constante da fé. Afinal, se tudo nos fosse revelado (retirado o véu, escancarando todo o conhecimento aos nossos olhos), jamais careceríamos de ter fé.
É como o pensamento de Elienai Cabral Jr: “Fé é similar a um Castelo de Areia. E a beleza dos Castelos de Areia é a certeza de que eles não duram para sempre”. O ato de crer é como o exercício de construir e reconstruir castelos de areia, pois as ondas (os questionamentos) sempre derrubaram nossas verdades nos desafiando a buscar mais porções da Verdade de Deus. Construir um castelo de areia achando que ele será absoluto e indestrutível é o mesmo que achar que tem posse de uma verdade absoluta. O belo de ver uma onda destruir um castelo de areia é ver que a fé que você tem hoje poderá ser reconstruída sempre e sempre, descartando nossas verdades e assumindo as porções da Verdade Absoluta de Deus.
Deus faz como o Cardiologista, tira o mau do coração do homem sem ter que desligar o homem. E faz isso simplesmente trocando os nossos questionamentos pelos Dele. Faz isso nos conduzindo a substituir as nossas verdades pelas verdades Dele.
Deus não é um tirano, ditador, que se sente melindrado ao expormos uma dúvida a Ele. Ele é um Pai bondoso, que ouve as perguntas de seus filhinhos com carinho e usa as mesmas para nos ensinar a ser gente como “gente” realmente deve ser. Gente como Jesus Cristo.
A vocação do ser humano é ser tabernáculo vivos de Deus. É ser “casas vivas” para o Deus Vivo. Tabernáculos providos de vida eterna, pelo próprio Deus, para que o Deus Vivo em Eternidade viva eternamente em nós. Agora, como saberemos se estamos nos tornando habitáveis para Deus se não buscarmos Sua Verdade? Como daremos espaço para as porções das Verdade de Deus, reveladas por misericórdia, se mantemos em nós uma verdade absoluta construída por nossa própria lógica? Precisamos nos esvaziar para que Deus nos preencha com tudo aquilo que só Ele pode prover: Vida Eterna.
Que o Senhor abençoe os nossos questionamentos, para que saibamos buscar respostas libertadoras. Respostas que nos libertem da lógica rebelde na qual a nossa natureza foi contaminada. Que Ele nos permita ter acesso a porções de Sua Verdade, para que o nosso modo de vida seja mudado e se torne cada vez mais próximo ao viver de Cristo. Viver que vence a morte e escancara a eternidade em diante de nós para a Glória do Deus Criador.
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